Encosto a testa na rede de proteção da janela e empurro-a levemente para frente. Facilita a visão das sacadas dos vizinhos. Uma curiosidade incorrigível domina meus pensamentos toda vez que estou diante de realidades diversas. Gosto de saber como as pessoas vivem, o que colocam em suas varandas, que tipo de móveis preferem, a cor das paredes, as disposições dos móveis.
Vejo que um dos vizinhos possui um aparelho de jumping na varanda bem ao lado de um vaso azul grande, com uma planta dentro. Outro vizinho não tem rede de proteção na sacada, suponho que não tenha filhos, nem gatos. Tem um que está grande parte do dia com as persianas de sacada fechadas. Fico imaginando o porquê, já que o sol só bate durante o dia. Será que tem medo de ser bisbilhotado por vizinhas curiosas feito eu? Quem sabe.
Um pouco mais abaixo, há dias, vejo uma espécie de caixa de leite entre a rede de proteção e o parapeito da sacada. Tento decifrar o motivo pelo qual meu vizinho largou uma caixa de papelão bem naquele canto. Será que esqueceu? Será que guardou pro trabalho de artes do filho? Será que tem uma semente ali? Mas passam dias, meses e nada de nenhuma planta nascer naquela caixinha.
Lembro do meu antigo apartamento. A janela da minha sala era perpendicular à janela do vizinho. Ele geralmente deixava metade da cortina fechada, mas por uma fresta eu via seus bonecos geek e, entre uma tecla e outra, desviava meu olhar pra programação televisiva dele. Quase sempre eram séries, dessas que todo mundo vê, mas alguns dias ele assistia o final da novela e depois o jornal inteiro. Eu mesma vivia de cortina aberta. Teve uma vez que eu estava de calcinha e sutiã pela casa, antes de ir pro banho. Fui até a lavanderia buscar minha toalha e já nem me lembro porquê passei na sala e olhei pela janela. Tinha o costume de olhar pela janela, buscar árvores, pássaros, ver o movimento tranquilo da rua, a sacola com o logo de uma clínica de análises laboratoriais que estava na mesma cadeira há meses de um dos vizinhos abaixo de mim. Mas naquele dia meus olhos foram direto pra janela do vizinho do lado. Ele estava bem na frente da janela, também olhando para a rua, mas meus olhos encontraram os dele e eu me derrubei no chão e sumi feito um rojão. Deitei no chão gelado e ri copiosamente. Mas com todo cuidado para não emitir nenhum ruído, pois embora a janela estivesse fechada, o encontro foi tão certeiro que parecia que ele ainda estava me vendo. Fui me arrastando pelo chão até a cozinha e em seguida agachada até o banheiro. A vergonha era maior naquele momento do que quando muitos dias depois nos encontramos pelo hall, ou no elevador. Ou na garagem? Enfim, nos cumprimentamos normalmente.
Mas a caixa me intrigava. Até que um dia, ao escovar os dentes e fixar meus olhos pra fora da janela, olho pra baixo e vejo os braços de uma pessoa bem na sacada do vizinho da caixa de papelão. Fico olhando e percebo um cigarro na mão do sujeito. Ele dá uma tragada, estica o braço e bate a ponta da cinza pra dentro da caixa de papelão. Está explicado, um cinzeiro reciclado. E lá se vai mais um mistério desvendado.
_Esta crônica que você acabou de ler foi originalmente publicada em março de 2021, mas que eu gosto muito, afinal, permaneço essa curiosa incorrigível esticando os olhos pra dentro da casa dos outros pra apreciar e vida alheia.
Um texto muito bom sobre a literatura contemporânea.
Porque é tão difícil compreendermos que precisamos de pausas?
Se você é pai e tá tudo fácil pra você, você não tá fazendo um bom trabalho.
Onde está segunda é um filme fascinante que acontece em 2073.
E para os pequeninos vou indicar um canal que eu amo: Cosmic Kids. Ela faz vídeos com temas infantis pras crianças praticarem yoga. Muito legal. Meu preferido é esse.
Até o dia 20 de agosto você pode se inscrever no Dialeto Materno, pra ler com a gente o livro da Ashley Audrain, O Impulso. Vem que esse mês além do material complementar que tá recheado de boas dicas, tem um conto exclusivo pro clube e uma entrevista exclusiva com a Ashley.
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Hoje é dia do advogado e eu não poderia deixar de parabenizar a mim mesma, afinal, quem não sabe, eu sou advogada de formação e atuei uns 15 anos nessa área e, principalmente a tantas e tantos colegas que eu fiz nessa profissão belíssima. Feliz dia, queridos amigos advogados.
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